Em 3 de outubro último, o Movimento Espírita comemorou a Dia de Kardec, em função de seu nascimento na Terra há 214 anos, precisamente. Neste mesmo dia, pobrezinhos do mundo choraram a partida de Giovanni di Bernardone – ou, simplesmente, Francisco de Assis, em 1226. E neste mesmo dia, agora em 2018, o plano espiritual comemora o retorno de um trabalhador exemplar na Seara do Mestre Jesus, por intermédio da Doutrina Espírita: Richard Simonetti, 82 anos, palestrante, autor de 65 livros – mais de um ao ano.
Mas não é do Richard-doutrina que gostaríamos de falar hoje. É do nosso Richard – presidente do Centro Espírita Amor e Caridade por 33 anos, de 1974 a 2007. Muito antes disso, no entanto, Richard entrou para a diretoria, em 1958, participando de todas desde então como secretário, presidente ou vice, até seu desencarne. Foram 60 anos dedicados ao Centro Espírita Amor e Caridade, à ampliação de sua atuação na comunidade e à divulgação da mensagem consoladora.
Sob sua regência – com o apoio, obviamente, de incontáveis trabalhadores do CEAC – nasceram e estabeleceram-se os seis núcleos de Assistência Social que hoje abraçam as famílias em vulnerabilidade, na periferia de Bauru. Incentivou a formação do COEM – Curso de Orientação Espírita e Mediúnica em formato que hoje possibilite a formação de novos grupos mediúnicos ao término de curso, contando a casa já com 92 reuniões em atividade. Em suas palestras, o convite contínuo sempre foi à prática do bem, ratificado por ele em sua última entrevista, já acamado pelo estado de saúde debilitado: “Minha filha, nós temos que convidar as pessoas à prática do bem sempre! Ao voluntariado, seja em reunião mediúnica, para o bem do irmão desencarnado, seja na periferia, onde ainda temos bolsões de miséria”. Inquirido sobre o intenso esforço para ampliação dos espaços de nossa estrutura, Richard revelou: há muitos anos, um mentor espiritual de nossa casa disse que o CEAC seria a “Casa Grande do Espiritismo”. Trabalhou uma vida inteira para isso, angariou recursos para ampliações e remodelações necessárias à sede, a fim não só de acolher melhor os frequentadores, mas principalmente para poder ampliar serviços. Hoje, o CEAC é referência não só em atividades doutrinárias (cursos, grupos de estudo e palestras), como também em acolhimento (grupos de auxílio via atendimento fraterno) e de promoção humana e social. É uma grande casa do Espiritismo.
Austero, nobre, disciplinado, bem-humorado, inteligente, sensível às dores humanas, exigente nas praxes administrativas. Esse foi o nosso Richard.
Antes de partir, consolou ainda familiares através de uma médium muito amiga, de São Paulo: pediu a ela, em desdobramento, que remetesse um texto seu, muito antigo, à esposa Tânia Simonetti, que compartilhou amorosamente em sua rede social, consolando-nos a todos:
PARTIDAS E CHEGADAS
Quando observamos, da praia, um veleiro a afastar-se da costa, navegando mar adentro, impelido pela brisa matinal, estamos diante de um espetáculo de beleza rara. O barco, impulsionado pela força dos ventos, vai ganhando o mar azul e nos parece cada vez menor. Não demora muito e só podemos contemplar um pequeno ponto branco na linha remota e indecisa, onde o mar e o céu se encontram. Quem observa o veleiro sumir na linha do horizonte, certamente exclamará: “já se foi”.
Terá sumido? Evaporado? Não, certamente. Apenas o perdemos de vista. O barco continua do mesmo tamanho e com a mesma capacidade que tinha quando estava próximo de nós. Continua tão capaz quanto antes de levar ao porto de destino as cargas recebidas.
O veleiro não evaporou, apenas não o podemos mais ver. Mas ele continua o mesmo. E talvez, no exato instante em que alguém diz: “Já se foi”, haverá outras vozes mais além, a afirmar: “lá vem o veleiro”.
Assim é a morte.
Quando o veleiro parte, levando a preciosa carga de um amor que nos foi caro, e o vemos sumir na linha que separa o visível do invisível dizemos: “já se foi“. Terá sumido? Evaporado? Não, certamente. Apenas o perdemos de vista.
O ser que amamos continua o mesmo. Sua capacidade mental não se perdeu. Suas conquistas seguem intactas, da mesma forma que quando estava ao nosso lado. Conserva o mesmo afeto que nutria por nós. Nada se perde, a não ser o corpo físico de que não mais necessita no outro lado.
E é assim que, no mesmo instante em que dizemos: “já se foi”, no mais além, outro alguém dirá feliz: “já está chegando”.
Chegou ao destino levando consigo as aquisições feitas durante a viagem terrena. A vida jamais se interrompe nem oferece mudanças espetaculares, pois a natureza não dá saltos. Cada um leva sua carga de vícios e virtudes, de afetos e desafetos, até que se resolva por desfazer-se do que julgar desnecessário.
A vida é feita de partidas e chegadas. De idas e vindas. Assim, o que para uns parece ser a partida, para outros é a chegada. Um dia partimos do mundo espiritual na direção do mundo físico; noutro partimos daqui para o espiritual, num constante ir e vir, como viajantes da imortalidade que somos todos nós.
Richard Simonetti
Neste dia 3 de outubro de 2018, porque ainda somos pequenos, choramos na praia. Mas também choramos de gratidão a Richard, e ao Pai Maior, pela oportunidade de vivermos ao mesmo tempo de um missionário notável que nos influenciou, no campo pessoal, de tão diferentes e profundas formas. Na margem de lá, por muito agradecer, certamente uma multidão de vozes também chora na praia, agora de alegria, pela chegada de um amigo querido.
Por Ângela Moraes